
O Janela está completando 9 anos de existência, e fazer o mesmo textão sobre o coração do cinéfilo recifense nesses dias de outubro, as experiências, as conversas, e os filmes já não cabe muito bem. Mas é impressionante como sempre que os títulos do festival são divulgados a sensação parece ser a mesma que você (ou eu), sentíamos ao ir assistir a um filme no Cinema da Fundação aos 14 anos, ou quando descobrimos Bergman vasculhando as prateleiras da locadora. O Janela é, e nunca vai deixar de ser, um músculo cinéfilo que vibra, relaxa, sofre de cãibras, e se tensiona (viva a cinefilia performática). Mas, no fim das contas, o que tem de bom pra ver esse ano? Já que os clássicos são clássicos por uma razão, você que resolve se seu coração bate mais forte por algum deles. Vou ser comedido e indicar só algumas das sessões que mais me animam nessa nona edição, mas certamente tem muito mais coisa pra ver.

Dois filmes separados por décadas que conversam de maneira muito bonita sobre as dificuldades de se manter humano num mundo como o nosso, a obra-prima de Leon Hirszman sobre os desdobramentos de um movimento grevista, e a estreia do maravilhoso Fellipe Fernandes, pequena crônica sobre a vida de uma jovem mãe lidando com as pressões da vida, abrem o Janela em grande estilo.

Da boa safra dos festivais internacionais deste ano, três das sessões que mais me interessam são de realizadores que podem não ter o alcance que merecem, mas se firmaram como nomes enormes no panorama atual do cinema mundial. Maren Ade, com sua dramédia familiar sobre a difícil relação entre pai e filha, João Pedro Rodrigues e o estranho conto sobre as desventuras de um ornitólogo perdido na floresta, e finalmente Mia Hansen-Love, para mim uma das maiores cineastas em atividade, se juntando com Isabelle Huppert em mais uma de suas investigações delicadas sobre o tempo e a redescoberta da experiência intensa que é a vida. Imperdíveis.
Na porção nacional desta safra, o misterioso Elon Não Acredita na Morte soa como uma curiosa incursão brasileira nas paragens do noir, com uma trama acompanhando um homem atrás de respostas para o sumiço de sua esposa, e A Cidade Onde Envelheço, vencedor do último Festival de Brasília, lança um olhar leve e cômico para a relação entre duas amigas portuguesas e suas experiências vivendo no Brasil.
Meio difícil não soar parcial ao comentar a estreia do meu amigo de longa data Filipe Marcena e seu fantástico Rua Cuba, mas é uma indicação impossível de não ser feita. Falar muito sobre o filme é estragar seu impacto, então fica a recomendação. E lá do polo de cinema de Contagem, o colega Maurílio Martins volta ao Janela depois do espetacular Quinze, trazendo seu cinema humano e delicado.

Vivendo na Alemanha há vários anos, os brasileiros Melissa e Gustavo formam o coletivo Destruktur, e tem relação estreita com o Janela. Muito Romântico é seu primeiro longa, e abusando de suas experimentações visuais e narrativas, parece contar a história dessa migração para outro país. Também estreando em longas, o paulista Miguel Antunes Ramos segue o projeto de cinema iniciado com seus curtas E e O Castelo, e comenta sobre a especulação imobiliária na cidade de São Paulo, e o carioca Lucas Ferraço Nassif convida para um intenso experimento que combina, musical, videoarte, e filme de amor.
Nas sessões especiais, o Janela exibe o impecável Elle, de um Paul Verhoeven (o festival também tem Robocop na programação, yay) mais jovem e intenso que muitos cineastas com a metade de sua idade, exibindo Isabelle Huppert como uma empresária que se vê vítima de uma violência e lida com essa questão de uma maneira muito particular, e algo polêmica para muitas plateias, Paterson, colaboração de Jim Jarmusch e Adam Driver que explora uma semana na vida de um motorista de ônibus com grande talento para a poesia, e ainda A Morte de Luís XIV, virtuosa visão de Albert Serra para os últimos momentos de vida do monarca.